Alberto Moreira Ferreira

Poemas do Mosto e da Chuva, Textos de Alberto Moreira Ferreira
a lua rosa
lua rosa lua rosa lua rosa
a lua rosa, rosa rosa rosa
ela vai-vos apanhar
a lua rosa

Nick Drake
Dizem que os frutos silvestres são amarelos
Eu vejo-os roxos listados por acreditarem no poder superior
Mais que o que os nossos olhos querem ver é a realidade
Nada nada nada, o vazio é horrível 
Por isso imaginamos violetas, a graça das rosas as margaridas em pé 
A existência do desabitado é uma terrível dor na caixa responsável pela proteção 
E parte do coração é inventado
Cara deusa alegre, eu não sei se já viveste no fim do mundo, onde as aves sofrem pela radioactividade dos porcos e toda a grandiosidade da natureza é abafada pela voz de rato esquilo de Eurípedes, não te parece humano que eu triste deixe a descoberto a minha ira? Cara deusa alegre, tiveste pai e mãe e eu também, mas, acontece que gostava de ser feliz.
Amor-próprio é um alimento
Vaidade é veneno, corrupção
A sobrevivência é como o reter a respiração 
É como a glória a destruição 
Eu adormeço bêbado de luz na claridade da escuridão 
Ela incendeia e revela o swing dos animais
Já o meu amor é doçura e cala gente
O meu amor existe, e todo ele é vida
Pintinhas
E, a vida passa, passa e a morte fica
Os cães lembram o cemitério 
O latir amordaçado os berros dos mortos 
A minha vergonha é a minha vaidade
O céu é irritante o coração desgraçado 
A rua é branca as casas são brancas os postes de cimento são brancos as luzes brancas muros brancos
Tudo branco tudo branco branco branco
Só o raio do cemitério é cinzento
E os cães, 
Mas esses são pequeninos 
Eu não sou de fato uma boa pessoa 
Senão não viajaria sozinho a bordo
Desta casa ora arrumada ora semi-
Arrumada sempre limpa sempre 

À primeira vista é difícil estabelecer uma ligação com o pó 
Com uma interioridade sempre ativa 
E as paredes quietas submetidas a qualquer coisa que chego a considerar inatista 

Eu não sei - e não sei se amo os pássaros 
A espuma do mar faz-me sentir culpado
Pelo caminho ganhei peças extra e um livro
O que foi uma folha mimosa é agora rija

Eu não sou de fato uma boa pessoa 
E estou ainda a pensar no que vou 
Escrever, escrever contido na ideia
Ou pensamento de que não sou uma boa pessoa

Ou dou chão ao próximo livremente 
Ou faço a cama e escrevo na lápide 
Silêncio, está alguém a bater à porta
Eu, cheguei a desejar que sofresses
E senti... Pensei que seria justo que 
Sofresses como eu sofri e depois senti...
Eu sei que sofreria ao ver-te sofrer
E pensei em que é que isso contribuiria 
Para ser uma melhor pessoa 
Hoje é domingo e eu não sei do meu gato
Já limpei a escuridão da cafeteira do café 
Esta casa não tem verdete e há ainda um
Ou outro sonho no táxi que se afasta
E mesmo que o sol hoje não brilhe
Não faz mal, eu, prefiro a tua mão 
                                        O mar
                   Não me atrai
Sim, sinto-me atraído 
Por uma mulher mas
               O perigo é o mesmo
                                  No entanto sem
Devir o ânimo esmorece 
Em Marte tudo é azul
Oceanos de espinhos
Andorinhas gigantes
Cruéis pedras, areias desertas

Ó, ao espelho tudo é perfeito 
O meu nome é o mais bonito
Não fosse as águas do março 

De onde veio essa casa
Vagamundo, sorridente à ja
- nela, de que sofre este mar 
De sangue que tanto
Ama a fugir dela
A morte não é pior que a inveja 
É como sapos que se engole, eu
A viver sou carpinteiro e mordo 
A língua, a morrer como o sol?!
O sol não brilha de noite nas minhas mãos 
E inteira a minha tua... 
                     Querida a lua recua
Deixa me dizer te que, tenho medo
Amedronta me a humilhação e não
Sou feliz - o que te digo é uma verdade 
E meia mentira - e sim, eu tenho medo
Muito medo do bravio das pedras 
                       perdidas
Só ela deitada
Deus comigo
Sem um golpe 
De asa, os dois 
Mortos com tudo 
Tudo arder

E quantos choraram
As ondas das rolas
Bravas, o hálux senhor
A totalidade dos céus
...

Foi no útero que
O mar se perdeu
Ninguém é alguém 
Alguém poderá ser
Ninguém e ninguém
Devia dizer eu sou 
Ninguém já que ninguém 
É sempre alguém 
Os mundos não se interessam por outros mundos, não encaixam nas árvores do mundo e embora haja mundos que enchem o copo e preencham o lugar a maioria são caixotes vazios. Os mundos são disléxicos autistas e sofrem muito de esquizofrenia, vêm sem ver discutem sem saber julgam sem existir e pensam baixinho. Há tantas pedras em Marte e ninguém quer saber, ninguém procura os mundos que acontecem além dos círculos, os mundos são peões, talvez tenhamos nascido da pouca vergonha que se inventou por vergonha para a ir a lado nenhum, e este aqui, sempre sempre sozinho com tanto na memória e vontade de abraçar, e até a água me faz levitar
Este mundo não é diferente dos outros, só não leva o corpo à frente da cabeça, pelo contrário, e quando visita um mundo visita um mundo, e quando fala outra língua e diz vedere diz vedere, e quando está ausente está ausente, e mergulha de cabeça, mas essa unidade importada sem moleira do subcontinente americano para o sul da Europa, esse coração virado para o ar não é para mundos que se prezam. Nenhum delírio de louro faz pão, nem uma antera de sabugueiro floresce a primavera, este mundo não pede chá de erva, não chama o balir das gramíneas do paraíso. Filhos do eu calaceiro pelo carvalho mogno e nogueira arder, talvez seja possível a abelha lampejar um coração, mas sem mergulhar de cabeça...
Se acordaste para amar...
Perdeste a chave no crepúsculo
É que, à noite és tão triste tão

À noite não tenho palavras
Perco tudo no desembarque
Ainda assim tenho en sorte

Não tens contas para pagar
Não há queijo, não bebes leite
E, nem és dado a iogurtes 

Tenho tudo tudo e nada
Não há ossos duros e há
Uma alma a cair da estrada
Reduzo-me ao alto fantasmático da moral da sociedade de deus e a mim mesmo 
ou entrego-me à amplitude de existir 
algo mais profundo e maleável que areia muito fina
O poema é este o outro também libertação e tão bem
Que seria do fio se não visse nascer o dia
Noite por nada
A morte é a alma enredada nos passos
Da bazófia da carne, nada por aí além
Adormecemos e passamos ao esquecimento
Já a vida é pólen e esta jamais acaba
Estamos a caminho do tempo
Do tempo dos ouriços punks
Das castanhas diáfanas das
Constelações de São Martinho
Viva o vinho viva o vinho, por
Enquanto este tempo é de despedidas
É o tempo dos furações atlânticos
Sabe já a outono, restam lembranças
Esta noite vi-me no meio de um sonho
Húmido louco a amar a ser amado
Senti o itálico em riste duríssimo
Com ela a galope sem parar até que
Acordei completamente molhado
Na ausência do seu corpo e carinhos...
Punk fui e se não nos amarmos...
Estamos a caminho - não tarda e...
Vai ser natal outra vez
Que lugar é este
Abundante de silêncios 
Onde cães ladram
O vento sopra de norte
Boçal, quente frio

Que jardim é este
Onde rolas cospem entranhas roxas
Gatos enrolam-se
E os poemas vivem de costas 
Unidos no negócio 
Ou submersos com cordas a procriar

Que lugar é este 
Impiedoso rude ambíguo 
Que eu não sei...
E estou cansado
Frágil e sozinho
Entre árvores de natal decoradas
fatais
A emparvoecer
Estes meus gêmeos fogem muito
Fogem para o mar
E para o rio fogem
Para a água como pássaros do ar
Esta noite o céu está limpo
E as estrelas lá...
Eu, estou sequinho tal alguém 
Sem o teu vulcão em atividade 
Sísmica tentando não pensar
Na plenitude sensorial do teu
Fogo, na beleza dos teus cabelos
Soltos, cintilando desnudada
Sentindo este em brasa tentando 
Não morrer

Se há horas que me consomem são 
As noturnas onde a moral impera
Sobre a vida, os fatos, sobre tudo
E me sinto incompleto, pela metade
Carregando o peso ébrio da solidão 

Esta noite o céu está limpo
E as estrelas lá...
E eu penso que não aguento 
E lá vai... Mar
            Hoje 
Sabe-me a setembro
E a poesia serve
Para beber
Fazer crescer o coração 

É como a água do mar
Onde reflete
Os raios de um sol 

É como o vinho no copo
Refletindo a luz
Das lâmpadas partidas

Não comam a poesia
Senão não resistis
Ao ferro do malho frio 
No fim do verão 
Os meus brincos lembram dois sois de um rio
A espuma versus ecos de um leão, e acompanham-me
Como viagens de águia apeada lua adentro
Seriam de gritos de um falcão não fosse estarem suspensos
No horizonte que perdi para novos desafios 
Pela força e coragem das minhas mãos algures 
Ainda é tempo
Ainda anoiteço 
Do tempo passado ainda
É tempo de arder
No inverno da tardinha
Derreter acordar
Muito calmo que se faz tarde na enormida
-de
Ainda da noite, e amar o aroma da manhã 
Já que tudo passa e não passa, até o tempo
Como o de onde vim para estar aqui tarde
A sonhar fortemente outro tempo até logo 
Até amanhã
Já que o tempo passa e não
Passa mas
Tudo se esbate com a idade e
Eu amo o perfume da manhã 
Eu não te odeio
A morte é inocente
É a vida que te leva 
E vale a pena
Faz sol e chuva por amor
Se nasce violetas nos dedos
É por amor

As rosas têm espinhos por amor
E as árvores voam ao contrário 
Dos pássaros por amor

O apontamento fêmeo da peónia 
A aragem fresca a elegância 
Meu amor

É por amor que o leniente jasmim
Desperta e a vida deixa a cama
Por amor
Eu sou a areia com que se escreve o céu
E o céu com que se pinta na terra
O espaço sideral e o tempo, o suor
De quatro dois quatro, o chão o veio a fonte 
Sou onde o mar termina e começa 
E tenho uma ideia, e a noite é ainda um corta fogo 
E sou o sal
Eu sou a bicicleta 
Ninguém me há-de recordar, eu sou pobre, não existo, ou será que existo! Não sei, mas ninguém me vai recordar
Ó mãe, esta é uma maré... Mete água por todo o lado
Ah... Se pudesse aprender a começar via no que não sabia o motivo, uma razão para viver
E agora chegou a pedra que o mar banha
E é sempre o mesmo papel afogar
Depois abro as mãos e tenho um navio 
Depois fecho as mãos e estão molhadas
Depois... E é assim este descanso cansativo 
Esta travessia... 
Mãe, aqui, num dos últimos portos
É preciso alvor
Alimentai as focas a gafanhotos grelhados
Deixai crescer os rios e o ar ferver
Fazei aeroportos de querosene 
Exponham o ar às moscas de metal
Desmatai como uma mão 
Deixai os mares arder e os oceanos engordar no fim do mundo
O sangue escorrer até à última gota
Meu amor
Houvesse realidade perene
Temos ainda o outro mundo para viver
Como dizer-te que te procuro
Com medo que apareças, como
Dizer-te do que não sei e existe
Como falar-te de um livro
De costas, contar-te do vermelho 
Dos meus olhos briosos 
Pelo vento dos bravos será 
Correto apenas viver
Talvez a vida seja o momento quando entramos na porta e a harmonia pela estética da casa limpa e arrumada nos funda a lâmpada e a voz que não ouvimos e imaginamos nos sussurre palavras de amor ou então seja o desenho intelectual onde divergimos e convergimos meios loucos num vens sempre vens que eu quero ouvir da tua boca a boa noite e sentir da tua mão o afago. A vida não é acordar à luz do dia nem traçar o horizonte à noite. A vida é uma flor, um bem me quer, uma cereja no caminho do lobo, não é um sei de nada, é um sonho à prova de bala.
Uns pedem ao nosso senhor,
Outros à nossa senhora, e de fato,
Nada é nosso neste mundo
De deus; deuses peixes laranjas e,
De todos os santos
As árvores são pessoas de pernas para o ar.
A árdua poeira dos corvos começa no retiro da cidade cercando o apartamento e a lua vai além da regulação das marés, é a força gravitacional açulando os meus felizes tristes distraídos, e eu demoro-me
Será a forte sensação de estar diante a eternidade reflexo da perda. É da alma que entardece o desvanecer da estrada. Se fosse o sol não apagava. Se fosse o mar amava. E eu tenho esta terrível realidade em mim. Se fosse a lua viajava
Nada é meu, nem o sol, nem a lua
Nem o mar nem a terra profunda
Nem as estrelas malvadas nem as
Aves as flores... nem eu embrulho
O toque dos lábios da nostalgia
Nos meus encerrados no maior
Isolamento de poetas e velhotes
A distância não é minha, hoje ninguém 
Morre de solidão, mas que importância 
Tem o mundo... A saudade 
Não é minha, eu tenho somente
O barco 
Em água e nada e tudo na frágua 
Cultiva-se o erro, a competição 
Pelos degraus a olho nu cosido
A esquizofrenia coletiva, tudo
Profissional, tal a inteligência 
Artificial, cultivam o músculo 
A bela hediondamente tatuada
E eu caído sem nariz no limbo 
Ao lado da mãe natura dentro 
E fora do mundo a sonhar com...
Olha-se para o umbigo, o temer
Obriga a fugir - E o amor 
Ficou na preposição com
Desventurado atropelado 
Deus, nunca apareces quando preciso de ti,
Não és como os meus inimigos a beberem
À sombra a favor do vento, 
Não és como os meus amigos que partiram,
És como o silêncio de toda a obscuridade,
E em breve a pedra tomará o lobo pela sua inocência,
E eu serei só mais um a decompor na ausência de luz 
No jardim 
De mármore cruzes e flores secas
Ó lua, estás tão grávida
E tantas estrelas no céu
E tu tão, cheia, e essa pigmentação
Amarela... O amanhã vai demorar?
Darling
O que é que escapa ao desamado?
Ó lua e este silêncio de norte a sul
Enrola
Chove peixes frios gatos cães quentes, aos pedaços das nuvens, dos céus encobertos pela névoa de poeira oriunda do Saara e as ruas continuam secas. Chovesse vinho à colher, depois dos sapos a tulipa não prospera sem meter a faca 
A terra
Chegará o poema a ser visitado no seu domicílio 
antes ou depois do acontecimento funesto,
seja amigo naturalmente ou prenhe de vazio!
Este sem companhia não podendo investir
investe no preenchimento do interior mais
e crê que os amigos preferem a música acústica 
sabe que os céus não têm ou encurtam a memória e enche
copo atrás de copo melancólico às vezes à procura
da companhia, da única que lhe trará a desejada
tão indesejada quanto a resignação - a morte não é importante,
ao fim; tudo é semelhante, nada é ouro e o dia d
fogo luz
e vida ao próximo 
Tempo, não será exagerado dizer-se, onde está?!:. Partiram para leste, foram pescar nas casas ao colo dos rios com ramos de vinho a martelo. Nos estados mais primitivos o rio é a origem do girassol embora o rio seja o excedente do deserto, e a linha de pura água apodrece. Os agremiados pescam em campos de areia e erva como braços armados de jogos, efetivamente primários, e neste desenho integracionista ao ver a minha mãe arder encolho, os oceanos crescem, dão à costa peixes de plástico, as altas temperaturas ameaçam, gostava de compreender a areia das margens dos rios eléctricos, a moral do arcaico medo mensurável escondendo a verdade, o fruto das bandeiras que defendem os penduras, e eu que sou imortal e mentiroso não consigo ver o tempo que virá tal como o resultado do ato demoníaco, assim como me custa imaginar o mar sem ostras. Fui ao médico e perguntei a um lírio se era deste tempo, se ele conhecia o tempo; como não tinha língua ainda estou a pensar onde vou por o comprimido.
Assombra-te, e, batalha pelo ócio
Ou continuas a quadrar a cortiça
Como as laranjas que, achataram
A terra
A tulipa não ama como jacinto alecrim
Não é a mão do espelho pensando: ai é 
Véspera de natal pousando no centro do palco 
Uma velhinha para receber, como o canhestro 
Que brilha na profundidade da escuridão
Não te disse ainda que quem te põe o dedo 
Quer levar-te ao mar por mais um vegetal
Escondido entre um rio em marés... 
Eu, não te quero dizer nada, nada
É tão azul e tão quente que um pé 
A pensar, eu, não te disse que não 
Quero ser uma estrela porque não sei
Não quero saber como é estar ficar na
Mão, quieto
Eu queria amar as fitas
          E as pedras ondas
Os veículos nascidos em fins de vidas usadas
Tubos capilares em rolo de cobre de aço inox 
A cinza quadrada da mesa de apoio redondo
E nem com a língua consigo praticar o ínvio
Eu que na minha juventude longínqua
Não pensei num corpo prestes a arder
Longe da lua de Ribes Rubrum
Em movimentos contínuos pela harpa: 
                                                                ter
As mãos pela graça das mãos a amar sempre
                                                                  , sempre
Ainda que ame em silêncio uma flor inteira
Acima da sombra de toda a sementeira de mármore 
Parks; ela é uma azálea da cor que vale a pena Rosa
E, fantasie na curva da solidão apertado
Pela... pela água sem pé no fim do verão
Eu queria amar o ínvio, não consigo
Embora ame o exequível sem poder

"Rosa Parks"
Todo aquele cabelo tão bem tratado
Soprado na minha cara pela boca 
Subtil de reparos a semear a colher
Que me enlouquece todo sentado
Poderia ser a pedra e no entanto 
É pura beleza amor limão poesia
Um dia se para aí estiveres virados
Haveis de ouvir falar de candeias 
De um livro passado 
Amarelo sóbrio torrado, de poesia
Bebi o soluço e tocado pela sombra da lua
Engravidei como o moribundo a dar à luz 
Água segredos de incêndio de um estrangeiro 
Nos últimos pulsos estacado no giz do sangue 
da noite
Que nem a mim diz girassol como te pinto 
no mundo
E o vento é algodão pintado e o amor 
o seu rugido
Pávido espantado povoado de espinhas a meio 
do tempo
Em cada barco, por cada mordidela de bode ou cabra há uma arrumação, por cada dentada um metro de pano de lençol é acumulado no guarda fatos, são mais graves as feridas quando vêm de cidades navegantes ao cheiro de púrpura como flores de sal e anelídeos aquáticos esmagando silenciosamente as sombras que beijam como vindimas precipitando o que nasce nos campos, a erva que vem do mar em dias amarelejados entre a alvura e o sargaço dos cabelos em que não ouves mais que a vontade do impulso ditado pelo sopro desfeito na pedra da tua mão mutilada
A vida inteira nasce do vinho que bebes e dás a beber, se beberes e deres a beber um mar de areia ele inclina-se sobre ele a última esperança dará à costa um dedo pútrido e tu continuarás com os pés na soleira da porta de saída sem entender as pérolas e perde-se a réstia do dia nas tuas mãos desejosas de afastar a distância observando a lápide de terra batida com flores secas dentro do perímetro dos teus olhos
A solidão é como a noite de tempestade granizo ventos trovões em que te silencias profundamente no mais íntimo lençol, pensas beijar a corda a envolver-te o pescoço 
Eu bebia o vinho e dormia cantava e cantava muito, para quê saltar do banco se as cordas não morrem connosco, sabes bem que nos céus raramente há algo mais que máquinas registradoras, de calcular, de colar lamber... Eu bebia o vinho dormia cantava muito e libertava a origem do quinto sinal vital na música, faria uma viola já que as mãos foram de avião todas à lua
Cumprimentar outro dia não é morrer com ele, é cheirar a terra e desarrumar o poema, incêndios vento calor sangue raízes e dizer não com alvura, e sim, o grau de penetração é profundo, eu guindaste vou fundo
As brancas não chegam do tempo
Não há tempo, antes e depois das
Horas tudo e nada são oferendas

Depois do dédalo, das ametistas
O fogo desvanece e o fio desliza
Crepita a escuridão da lâmpada 

Donde podes entrever que foste
Parte do vento da chuva do sol
Da liberdade, e agora parte de nada

A última porção do fio resvala
E tu voas de mãos cheias
Sem um ai um se um até logo

Não te quero assaltar o coração 
Mas deixa-me dizer-te que
Quero roubar-te qualquer coisa
Todos os dias abro e fecho as janelas
Todo a morrer-me 
Diariamente entre letras e perturbações 
Inquieto pelo medo, pela fome do calor
Do teu corpo, do teu andar da tua voz
Povoa-me a fantasia e cá vou fechando 
sem a magia
Febril, abrindo noturno deste 
Ao próximo dia
Não há maciço central que não expluda numa boca bem feita e não passe do estado sólido ao líquido encolhendo seguidamente pela sensibilidade, respeito ao próximo dia
Eu não te sopro mais, nem o prazer da hora nem a angústia da vida, não há chave que abra porta de fogo preso, e enquanto morreste como os peixes eu ensombrado troquei a sobrevivência por outra cor e fui beijado a andar para a frente e andar para a frente é somente
Somente
Viver, a vida não mente, inventa, pensámos no amor e o resto
O gesto fica e o resto
Tudo vem
Tudo vai
Tudo bem, tudo passa e o amor
Nenhuma casa precisa de chave fechadura e porta para ser feliz
E por favor, apaguem o meu nome do madeiro
E como não te quero fita adesiva 
Minha querida no meu valboeiro
A morrer de amor, a agonizar
Como os anjos caídos deixo a ave
Da árvore cantar a afogar a água 
Substituindo o armário pela faca
Na caveira sem perder o fio às amoras 
E ao chão das tulipas também 
Não é o que parece
É o que tu não vês
Verás se fores inteiro
É o que é, para mim...
Se estivesse aí no 
Teu lugar começava já
A trabalhar
Honestamente
O pássaro jaz vivo pelo desprezo dos mortos
A morrer pela sua mão, corajoso medrado
Pensando na morte alheia à transcendência 
Da natureza, à sensibilidade da natureza, 
Numa bolha entre todas as outras subindo
Consciente da noite
Do esquecimento 
Inconsciente do dia
Do esquecimento 
E vai subindo até ao nível em que o salto
O levará, não pode esperar, depois de nós 
Mortos alheios mais nada há para esperar
Além do tempo depois do tempo
Em que os pássaros jazem vivos 
Pelo desprezo dos mortos 
só para, que saibas, meu amor
acordo sempre com a tua mão
alfazema, delicada, flor rainha
à guarda de um homem só que
se quer desconhecer pela força
de ser outro o mesmo nos teus
lábios, hidratados, amor para
que o sol e a lua não morram
às mãos da luta, do furor
do shoá semeando fogo
plástico, deceção
grato porque
o amor e só o amor
Olha, ela quer comer o poema 
Cortas o fio e dás-lhe asas, o poema decompõe no estômago e nas vísceras é transformado em húmus, depois de excretado volta a nascer
Ser ou não ser - quantas vezes penso: come-me todo, leva-me desta cidade de palha seca de alhos com que se trançam as réstias
As cidades são espaços masturbatórios moralistas industriais praticantes de morais imorais
Não há puro pão para prolongar um pulso depois do entardecer e ainda que o vinho se mantenha de pé arre que se faz noite
Vejo olhos perdidos sem bóias nem barcos
De que serve chamar se os dedais não se arrancam aos dedos pelo retorno material e há horas sem mãos para tudo
Vale-me não ter de arranjar desculpas para estar leve pesado
Eu não preciso esquecer, o poema tem um livro e entre ser ou não ser chega-me coragem
Não dou guarida ao manto nem à erva e mergulho profundamente no pulso refletindo pensando
Olha 
O ser nasce depois
Cresce-me filamentos no sangue de alto grau de dureza porque sempre que se abre a boca com verdade é-se convidado a desistir de uma parcela da estrada, do terreno, e eu aceito
Assim como a corda de aço espinhosa na cabeça no lugar forjada para não perderem as suas correntes 
E desobedeço sempre às mãos amarradas, o meu todo é servido por musculatura da família das cactáceas contra o tempo
Ainda assim sou um assolado hábil e doce, mas nem sempre é possível encontrar o amor
Os meus amigos, todas as pedras e vaias deviam sair das praças e procurar a poesia em vez de passarem os dias e as noites nas praias como camarões sem o vinho do porto vintage da quinta dos roques, ou dos maias
O sol arde vertical todo a rigor
Todo extremoso todo sentado 
O poema enlouquece
Apurado com impetuosidade 
Todo exaurido todo delicado 
Eu uso a boca para fazer uma ponte
E sangro da cabeça aos dedos da mão 
No alto dos ciprestes os silêncios falam baixinho 
Os punhais de remate são noites cruéis, rios frios como nós cegos
Eu penso na morte mais que na loucura
Pauso amiúde e entro na vida pelo lado do lado
Está tudo seco tudo gelado 
E volto à mesa destilado
Quero perdoar como se fosse morrer, eu vou morrer 
Os peixes as laranjas profundas as bilhas de gás menstruadas as aranhas da bacia de inflamáveis 
Eu vou morrer, não importa 
Eu vou morrer
As cadeiras estão todas no fogo
Que vais fazer esta tarde!
O fogo toca abraça 
Beija-me
Leite
Vinho
Leite
Vinho
É tarde, o oxigénio está a baixar
Tenho estes ovos de formiga...
Não sei quem me disse que é tarde
Mas
Todas as noites sinto que é tarde
Na realidade sempre senti que...
Quero amanhecer nos teus olhos
Aportar nas tuas pétalas gloriosa
Vamos ao Piódão em passeio 
A Lisboa a brincar... E de fato não 
Sei
Quem me disse que é tarde
Outrava-me se não te tivesse perdido
Ainda cedo, na primavera abandonado
Pela embriaguez das pedras fortes

Outrava-me contigo na presença da
Queda de água molhando os corpos
Entre a doçura e o fio bordado
Apagas a luz
E eu sinto-te
As tuas pernas
O teu perfume

Acendes a luz
E eu beijo-te
Numa realidade
Virtual sem
Sentido E

Faz todo o sentido 
Chorar sorrir amar
Divergir convergir 
Viver

Que absurdo, a vida
É uma epiphone

ontem apanhei um rato 
sem querer a rir-se com 
as duas mãos ocupadas 
pelo surripiado aos pobres 
enfim, com ratos em cargos 
de poder no futuro as árvores 
serão roxas os céus roxos
tudo roxo tudo roxo
Um dia vês-te com as passas do Algarve nas mãos: um dia tens apenas as paredes, os canos da cozinha entopem e tens de desmontar o móvel para os substituir, o móvel não tem montagem possível devido ao tempo, compras um novo assim como um fogão um frigorífico uma maquina de lavar roupa e um esquentador para fins alimentares conservantes  e higiénicos e bebes muito para aguentares a água fria porque te roubaram os canos de cobre do gás natural inviabilizando a sua instalação, fazes mais um pé de meia, pagas a empreitada e depois do gás reposto acabas de preencher a casa, adquires uma mobília preta candeeiros da mesma cor mais umas coisas e até uma colcha branquinha, e quando tens tudo a funcionar queres muito ir embora porque tudo à tua volta é estrangeiro e o problema nem são os móveis e os imóveis... Era uma vez um limão verde,...
Somos tão religiosos, eu amo-me tanto que me esqueço de ti e tu amas-me tanto que deixas de viver. A continuarmos a amar os santos ainda acabamos por nos arrumar. Ou a casa é tão importante que justifica que nos continuemos a matar? Bom, mas como sabes, devemos amar a deus sobre todas as coisas, nem que roubar seja pecado.
Faz a cama, desfaz a cama
Suja a loiça lava a loiça, até 
Parece que te acostumaste
À casa limpa e arrumada
Receoso
E não tens fome de andorinhas
Quiseste ver tudo - Consegues
Ainda gritar-lhe o amor ao menos?
Tanto amor
Tantas praças 
Tantas festas
Tantos doces
Tantos braços
Tantas pernas
Tantos olhos
Tantas jornadas
Tantas vizinhas
Alegres danadas
E um felizardo
Sozinho tão.,
Sempre que
Não sai do dia
Em que entardeceu
Com tanto - tanto
Para nada
Voa pássaro preto, shale
Deixa-te planar, voa
No parapente do condor

Voa pássaro preto, shale
Deixa o clarinete sangrar 
Vai, sente o esplendor

Voa pássaro preto, shale
Lê-me uma história, uma
Com um final feliz, alegre
Sem pregos, de amor
Pai, o meu tabaco não está nada bom
Atiro o peso ao ar ou rio louco
E penso que há cidades de camélias
Longínquas 
onde trocaram as vísceras por harpas 
E a harmonia ad libitum perpetua-me a vontade de ficar
Até ao último momento a contar-me uma boa
Como as bicicletas de açúcar nas luas de Júpiter pai 
Pai eu quero ir embora 
Carrego a incompreensão dos partos vaginais 
O padecimento do tecido morto 
E a raiva das pedras mortas
Das facas sempre à espreita 
Mas pai, onde é que fica essa cidade
Ouvi dizer que há mel no coração das gotas
E eu quero tanto atirar tudo ao ar pai
Vou tomar café 
Não há café pai
Adormeci, sonhei
E acordei molhado 
Tal e qual um fantasma 
Numa lindíssima
História de amor
Se viesses visitar-me naquela hora 
Feiticeira, rainha
Quando o eco manso se aproxima

Se me pusesses o sabor da framboesa 
Na boca mortinha
A maresia na mão e esse lindo sorriso

Se trouxesses a lua viva para me levantar
Só de pensar já o sinto, lua bonita
Na minha ótica, ressuscitar pleno de desejo 

Viesses louca cintilar nos meus barcos
Esta noite veria outro dia, ponto de partida
E adeus adeus... adeus... Adeus solidão 
Que interessa o outro se ele pode chamar uma ambulância, pode ir ao médico, pode sair de casa ir dar um passeio ver gaivotas prédios automóveis manequins, a água do rio contaminado com todo o tipo de desculpas inventadas a destruir a natureza - ah ele pode deslocar-se à clínica onde trabalho e ajudar a manter o meu emprego, legítimo, afinal tenho de pagar as minhas contas, que interessa o outro, ainda se precisasse dos nossos produtos para mostrar serviço e fazer funcionar a economia, que interessa se ele não pode, eu posso escolher e tenho o direito de não escolher, eu tenho, hoje não preciso, que interessa o próximo se tenho a minha casa para cuidar, que interessa o amanhã se tenho o dia de hoje ocupado a trabalhar. Que interessa um se posso ter outro. Eu tenho de me proteger e a mais não sou obrigado a gostar. Nem do presente e quanto ao futuro...
Caro deus, estamos conversados. 
Tudo é um produto. Um dia damos connosco a pensar: já ninguém me quer comer e agora tenho de me aguentar. É que nem vale a pena chorar porque o mar metido dentro do produto do dia não ouve, e o pior nem são as rugas, mas o olhar, a expressão morta, do género, comeram-me as mamas comeram-me tudo e o tempo... Será que o solitário cortado para fundir um sino era mesmo um monstro!
Quando se lida com humanidades o choque por vezes é violento e o airbag não protege da desilusão, quantos filósofos morreram sem graça, bem fizeram os poetas que inventaram o rouxinol para não terem uma morte tão violenta.
Como sabemos que estamos loucos quando enlouquecemos! É fácil. Quando virmos alguém na rua a falar sozinho e distinguimos o vaguear do vaguear sabemos que estamos loucos.
No último dia não há fome e pensamos que demos uma mão pela justiça que nos levou as duas e nunca mais a vimos. No último dia desejamos-lhe boa sorte.

O real é roubador, o racional é um sonhador, um idilista.

Soam os sinos, as moscas 
Acasalam de costas e alguém 
Deixou a alma na payshop
Eu, ando por aqui, creio
Que na última das vidas
E tantas ecoam na cabeça 
Que parece querer matar-me
Tenho muito medo, muito muito
De perder o que não quero e tenho
Este que anda por aqui
Se calhar distraído 
Se calhar enganado